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sunrise@CântaroMagro_20
10 July 2020 Written by 

sunrise@CântaroMagro_20

Já se tornou tradição em mim que o solstício de verão seja acompanhado pelo vislumbre do nascer do sol no imponente Cântaro Magro, na serra da Estrela, onde a infinidade das vistas sobre o horizonte quase dão a volta ao mundo. Este ano, pelas limitações da pandemia Covid-19, a nona edição do sunrise@CântaroMagro_20 decorreu um pouco mais tarde e tornou-se familiar.

Durante o sábado, o meu plano inicial era fazer parte da subida iNtO tHe WiLd e assim engendramos a logística do carro. Chegamos a meio de uma manhã quente à Senhora do Desterro e iniciamos a caminhada junto ao canal de água do rio Alva, beneficiando da sombra. Após a passagem pela câmara de carga, seguimos pelo canal de água da ribeira da Caniça até aos Cornos do Diabo.

Após revisitar o curioso maciço rochoso, investi pela encosta até ao Porto dos Bois. O percurso complicou-se pouco depois, pela vegetação intransponível, e já não consegui chegar à Crista do Carvalhazinho. Desde a última vez que ali passei, na noite da grande aventura Oh Meus Deus – Ultra Trail Serra da Estrela 2016, o trilho deixou de ser frequentado, inclusive por pastores. Ainda fiz uma tentativa de subida pela ribeira, mas as variáveis eram muitas e não poderia atrasar o encontro na Lagoa Comprida.

Voltei para atrás, ainda a tempo de uma mudança de planos. Acabei deposto da organização e passei a tarde em praias fluviais. Fomos primeiro à interessante praia da Lapa dos Dinheiros e acabámos na concorrida praia fluvial de Loriga, onde nos delongamos no doce fazer nada, estendidos ao marasmo.

Rumamos depois ao Cântaro Magro e ficámos a saber que a estrada para Covilhã/Manteigas está cortada desde a rotunda de acesso à Torre, há já alguns meses, para arranjo do túnel que fica mais baixo. Deixamos o carro por ali e seguimos finalmente para o Cântaro Magro. É sempre fascinante admirar o gigante de pedra, sentir um assombro de inacessibilidade e vencê-lo logo de seguida.

À chegada ao topo tivemos oportunidade de contemplar um pôr-do-sol com cores magníficas. Os últimos raios de luz pintalgaram as nuvens num tom escarlate no céu azul. Instalou-se depois a noite e o silêncio. Como estava lua cheia nem precisamos de lanternas para vaguear pelo topo do cântaro. Aproveitei também para revisitar o manuscrito d’O tempo inquieto, que vai sobrevivendo à humidade. Com a ajuda de uma aplicação de telemóvel percorremos o caminho das estrelas e encontramos a lua alinhada com Júpiter e Saturno. O jantar arrastou-se depois por petiscos vários, mais ou menos serranos, e bom vinho.

O bom tempo e a ausência de vento acabaram por tornar a estadia muito agradável e deu para descansar mais do que o habitual. O sol apareceu pouco depois das 6h00, num céu limpo e sem nuvens, mas com a mesma magia de sempre. O astro rei pode nascer em todo o lado, mas ali tem uma envolvência e significado especiais.

Após um pequeno-almoço nas alturas, a descida do cântaro fez-se sem problemas. Passamos pela Torre para cumprimentar o pináculo lusitano e seguimos depois para a Lagoa Comprida, onde aproveitamos para uma caminhada, com vistas para o manto de água, até à Lagoa do Covão dos Conchos, onde pudemos assistir à romaria ao funil. No regresso ainda passamos na outra extremidade do túnel, onde a água desagua na Lagoa Comprida.

Foi um sunrise@CântaroMagro atípico, mas excelente! Teria gostado de ter mais amigos lá em cima, mas gostei de me reencontrar com o silêncio do cântaro e com uma certa essência original que se foi perdendo ao longo dos últimos anos. Gostei de viver a experiência sem a preocupação constante de colocar e retirar dezenas de pessoas do cântaro. Gostei de gerir a escolha do fim-de-semana conforme a meteorologia (em condições normais, seria uma semana antes e estaria mau tempo). Gostei de ter tempo para mim, nesta singela homenagem anual a uma experiência e locais inspiradores. Por tudo isto, talvez algumas mudanças venham para ficar. Para já, acrescento excelentes memórias a mais um sunrise@CântaroMagro.

Artigo publicado em cruzilhadas.pt

 



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