Esta é uma crónica que remonta a 2015. A DEXcobertas ainda estava a dar os seus primeiros passos, e nunca nada foi escrito sobre esta aventura. É então um recordar de memórias há já muito “arrumadas”, mas que sabem sempre bem recordar de tão boas que são.
A visita a Castelo Rodrigo surgiu como complemento a uma passagem pela “Recriação histórica do cerco de Almeida”. Esta, uma espécie de feira anual onde todos se vestem com trajes do séc. XIX, tem o seu ponto alto na recriação do cenário de guerra que se viveu em Almeida a quando das invasões francesas, e que terminou com a rendição dos ingleses e portugueses às mãos dos invasores franceses.
Porém, se esta foi uma recriação engraçada de se ver, a meu ver a visita a Castelo Rodrigo foi muito superior. Não por apenas ter um certo fascínio por castelos e aldeias históricas, mas também porque encontrei em Castelo Rodrigo uma pequena aldeia que ao longo dos tempos infelizmente se foi degradando, muito fruto da sua progressiva falta de importância ao longo dos séculos.
Felizmente a situação está a mudar, fruto da sua classificação como Aldeia Histórica de Portugal.
Mas comecemos pelo início da visita. Não em Castelo Rodrigo, mas a uns 2 Km’s da aldeia, no antigo mosteiro de Santa Maria de Aguiar. Também este praticamente abandonado, foi residência de monges beneditinos nos seus primórdios. No entanto com o passar do tempo foi também ele perdendo importância até ser abandonado por volta do séc. XIX. Mas pelas suas dimensões e arquitectura gótica, é um ponto de visita a não descorar numa passagem pela zona.
Chegados à aldeia, o acesso ao seu interior pode ser feito por duas portas – a Nascente, ou Porta do Sol; e a Poente, ou Porta do Largo de São João. Embora exista outra entrada criada mais recentemente. A primeira, sob um bonito arco de pedra é a que mais vezes surge em postais da aldeia. Nela podemos observar um bonito efeito criado ao nascer do Sol, onde em pano de fundo podemos avistar o Mosteiro de Santa Maria de Aguiar e a fronteira com Espanha. A segunda, provida de uma abóbada de berço e arco plano, é o único registo ainda existente de uma igreja de evocação a São João Batista.
E entramos então na aldeia pela Porta do Sol. Primeira paragem - o casario. Tal como as outras aldeias históricas, preserva ainda o traço original das casas de pedra, com pequenas portas e janelas embelezadas com heras e outras pequenas plantas. Poucos deverão ser ainda os aldeões que nelas habitam. Ou pelo menos assim aparentou dado o reduzido número de aldeãos com quem me cruzei.
Segue-se o castelo. Completamente em ruinas, a sua construção data provavelmente do século XIII. Provavelmente, porque não existem dados concretos. Subimos a escadaria de acesso à porta principal, e lá dentro vamos encontrar grandes paredes de pedra. Nestas, dado o seu estado de degradação, é difícil perceber onde seriam os compartimentos do castelo.
Dali podemos ainda aproveitar para circundar o monumento e observar as paisagens em redor da aldeia para melhor compreender a escolha do local para a construção do vilarejo. É que dali podem-se avistar inúmeros Km’s de área, e ajudando na prevenção de movimentos bélicos inesperados!
Saindo então do castelo, regressamos ao casario da aldeia. Desta vez já não apenas para ver as bonitas casas, mas sim os diversos monumentos por ali espalhados. E o destaque vai claramente para a antiga cisterna. Um legado da presença judaica, que se acredita ter sido uma antiga sinagoga, onde seria em parte usada para o culto e noutra parte para banhos litúrgicos. Mais tarde aquando da expulsão dos judeus da região, acabou destruída para depois ser reconvertida num reservatório de água. A profundidade é de uns “meros” 13 metros!
Por perto, a Igreja Matriz. Não apenas uma “mais” igreja, mas construída com um intuito além do espalhar a palavra de Deus. Foi ponto de assistência aos peregrinos compostelanos que por aqui passavam (e passam) na sua jornada até Santiago de Compostela, podendo estes aqui repousar e reabastecer-se de energias para a longa jornada que ainda lhes faltava.
Também este monumento data do século XIII.
Por fim, e subindo novamente até á parte mais alta da aldeia, o antigo Palácio de Cristóvão Moura. Uma imponente obra arquitectónica, que remonta aos tempos da dinastia Filipina, e que serviu de residência a Cristóvão Moura, conselheiro predilecto de Felipe II de Espanha e mais tarde 1º Marquês de Castelo Rodrigo. Acabou incendiado e destruído após o fim da dinastia Filipina em Portugal.
E assim estava concluída a visita à aldeia. Uma visita bastante interessante, que ainda hoje está bem gravada na memória, uma vez que é talvez das mais belas aldeias históricas que já visitei.
Antes de terminar, referir o interessante facto da aldeia ser a única em Portugal que ostentou o seu brasão no sentido inverso (“com a coroa para baixo”), como forma de D. João I punir o povo de Castelo Rodrigo pelo seu apoio a D. Beatriz na Guerra da Independência.
João Cruz (DEXcobertas)
Artigo publicado na GeoMagazine#26.