O Almanzor (GC1GEKA), pico da Sierra de Gredos, já há algum tempo que fazia do meu imaginário pseudo-montanhista. Após a épica subida ao pico Torrecerredo (GC3PR09), nos Picos de Europa, comecei a apontar sonhos e vontades para esta conquista. Depois de passagens pela Sierra de Francia, rumámos à Sierra de Gredos para tentarmos a mítica ascensão. Como é natural nestas coisas, e ainda bem, o Almanzor fica longe da estrada. Manhã cedo, com uma brisa gelada a testarmos a resiliência, estacionámos no final do alcatrão, na Plataforma de Gredos, e fizemo-nos ao caminho.
O percurso até à Laguna Grande, onde está situado o refúgio Elola (GC33WKP), é muito fácil de seguir. Apesar de ser sempre a subir, a inclinação não é um problema. Para o bem ou para o mal, o caminho está em muitos troços coberto de pedra disforme. Para a ida é quase indiferente, mas no regresso a pedra acaba por agravar o cansaço dos pés. Após a passagem de uma ponte, onde inclusive aproveitámos para fazer um pequeno desvio para vermos uma cascata, o trilho torna-se um pouco mais íngreme e assim vai subindo até alcançarmos uma doce planura. Pelo meio temos a possibilidade de refrescar as ideias e o corpo numa fonte estrategicamente bem colocada.
Chega então o primeiro momento de espanto, no primeiro avistamento do Circo de Gredos. À nossa volta erguem-se inúmeros picos, formando quase um círculo, suspensos sobre uma lagoa que existe aos seus pés. Ao lado, um placard informativo enumera os diferentes picos. A meio, um pouco mais altivo que os restantes, o Almanzor lançava-nos o desafio.
A descida para a lagoa faz-se sem dificuldades e as pernas agradecem a simpatia do declive. À medida que nos aproximámos da lagoa, os picos envolventes tornam-se ainda mais gigantes e o Almanzor ficava mais senhor de si e de nós. Cá em baixo, rodeados de anseios e suores, tudo parece para lá de difícil. Passámos depois em curiosidade pelo refúgio Elola, visitando o espaço que todos os dias alberga dezenas de pessoas e cujos mantimentos são trazidos de helicóptero.
De esperanças recuperadas e mais altaneiras, iniciámos então a subida ao Almanzor. O início do percurso é acessível, mas cada olhar para o céu lembrava-nos que rapidamente as coisas iriam complicar-se. A acumulação de pedras que caíram das encostas é tanta que o percurso acaba por transforma-se num saltar de pedra em pedra, sempre a subir. No último quilómetro o chão levanta-se num desafio bastante acentuado, sendo que o que complica mais é a incerteza do passo, dada a miríade de pedras, pedrinhas e pedritas.
Ao invés de fazermos uma abordagem direta ao pico, acabámos por subir para uma janela que fica um pouco mais à esquerda, de maior distância, mas menor inclinação. Lá em cima encontrámos uma vista esplendorosa para o outro lado, alcançando a planura do horizonte longínquo. O trilho alterou-se então e passámos por cima de pedregulhos, ajeitando com as mãos o que o cansaço ia diminuindo em equilíbrio. Ao chegarmos ao cimo daquela vertente reparámos que estávamos a um pico do Almanzor, mas isso não nos demoveu. Aproveitámos então para almoçar e recuperar as energias com uma vista fantástica.
Após alguma busca, lá conseguimos acertar com o acesso para a subida final do Almanzor. Creio que é natural considerar que, após aquela subida exigente, a Natureza poderia facilitar-nos a vida para a conquista derradeira. Mas não, a ascensão final mete respeito e exige muita atenção, bom senso e pouca sensibilidade a vertigens. Após algumas partes mais técnicas, a chegada ao pico encerra uma felicidade difícil de transcrever em palavras. Apenas vivendo o momento é que se percebe o seu significado e singularidade. A assinatura no papel da caixa metálica cravada na rocha oficializou o instante. À volta, o Circo de Gredos surgia inteiro no nosso olhar e ficará gravado na memória.
A descida revelou-se tão ou mais difícil que a subida, dado que a vertigem surge de frente aos nossos olhos e anseios. Mas, com o devido cuidado, tudo correu bem. No regresso ao lago encontrámos alguns cavalos, muito fotogénicos, que andavam por lá a pastar. Referência ainda para as inúmeras cabras selvagens que encontrámos no percurso, inclusive no topo, umas mais ariscas e outras bastante dadas à pose fotográfica e ao contacto humano. O percurso, de cerca de 22 quilómetros, pode ser visto/descarregado aqui.
Palavra final para a Valente. Conseguiu ultrapassar as dúvidas e o cansaço, superando-se a cada passo e fazendo de mim uma pessoa com o orgulho do tamanho do Almanzor. Vale!
Artigo publicado em cruzilhadas.pt